
Trecho de Os Cantos de Maldoror
...Estou sujo. Os piolhos roem-me. Os porcos, quando me olham, vomitam. As crostas e as úlceras da lepra gretaram a minha pele, coberta de pus amarelento. Não conheço a água dos rios nem o orvalho das nuvens. Um cogumelo enorme, de pedúnculos umbelíferos cresce na minha nuca, como num monturo. Sentado num móvel informe, há quatro séculos que não movo os meus membros. Os meus pés criaram raízes no solo e formam, até à altura do meu ventre, uma espécie de vegetação vivaz, povoada de ignóbeis parasitas, a qual ainda não faz parte da planta e, todavia, já não é carne. Apesar de tudo, o meu coração continua a bater. O que é extraordinário, espantoso, dado que a podridão e as exalações do meu cadáver (não me atrevo a dizer do meu corpo) não o alimentam suficientemente. Debaixo do meu sovaco esquerdo instalou-se uma família de sapos, e, quando um deles se move, faz-me cócegas. Cuidado, não vá escapar-se algum e pôr-se a raspar com a sua boca o interior do ouvido: haveria o risco de ele se introduzir no cérebro. No meu sovaco direito há um camaleão que lhes faz um caça implacável para evitar morrer de fome: todos têm de viver. Mas, quando um dos bandos se furta completamente aos ardis do outro, não estão com meias medidas e põem-se a chupar tranquilamente a camada de gordura que cobre as minhas costas; já estou habituado.
Lautréamont
Arte de Salvador Dalí - Canibalismo Outonal (1936)
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